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“Job” não é glamour: a romantização da prostituição nas redes, letras de música e seus impactos psicológicos

Em tempos de redes sociais e músicas virais, palavras ganham significados novos, moldadas por tendências, memes e modismos. Uma dessas palavras que tem aparecido com frequência, especialmente associada à prostituição, é o termo “Job”. Em um primeiro olhar, o uso parece inofensivo — até mesmo divertido —, mas por trás dessa linguagem aparentemente leve, esconde-se uma realidade dura, marcada por sofrimento psicológico, vulnerabilidade e expectativas distorcidas sobre o que significa “vencer na vida”.

O que realmente significa “Job”?

Em inglês, “Work” e “Job” são comumente traduzidas como “trabalho”, mas não são sinônimos perfeitos. Work é um termo amplo. Refere-se a esforço, ocupações, tarefas e até ao ambiente em que o trabalho é realizado. Já Job carrega um sentido mais específico: é um trabalho remunerado, com começo, meio e fim, geralmente vinculado a um cargo ou responsabilidade dentro de uma estrutura.

O uso do termo “Job” no contexto da prostituição, especialmente quando atrelado a termos como “fazer um job”, banaliza uma realidade extremamente complexa. A expressão parece encaixar a prática dentro de uma rotina profissional qualquer, como se fosse apenas mais uma “função”, algo que se escolhe como quem escolhe ser designer, cabeleireira ou vendedora.

Mas será que é mesmo?

A romantização: quando a dor vira estética

Nas redes sociais, especialmente no TikTok e Instagram, é cada vez mais comum ver influenciadoras e até artistas musicais abordando a prostituição com uma estética que mistura luxo, liberdade e empoderamento. Letras de funk, trap e pop frequentemente celebram a figura da “garota independente que faz seu corre com o próprio corpo”. Frases como “tô indo ali fazer um job” aparecem como eufemismos para programas sexuais, esvaziando o peso emocional e psicológico que essa realidade carrega.

Esse tipo de representação ignora uma parte fundamental da equação: a consequência mental e emocional de se colocar à venda como produto. Quando jovens, em especial meninas em situação de vulnerabilidade, entram em contato com essa estética romantizada, muitas vezes acreditam que prostituir-se é um caminho rápido para a ascensão social, fama ou independência financeira. O problema? A conta vem — e ela é alta.

A realidade por trás do “glamour”

Pesquisas e artigos científicos apontam para uma alta incidência de transtornos mentais entre pessoas que se envolvem com a prostituição. Entre os diagnósticos mais comuns estão:

  • Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
  • Depressão
  • Transtornos dissociativos
  • Dependência química
  • Transtornos de ansiedade generalizada
  • Baixa autoestima crônica e perda da identidade pessoal

O estudo “Mental Disorders among Sex Workers: A Review” (2020), publicado no Journal of Psychology and Psychotherapy, reforça que o ambiente em que ocorre a prostituição — marcado por exposição à violência, ao abuso, à objetificação e ao isolamento social — é propício ao desenvolvimento de distúrbios psicológicos severos.

Além disso, muitas das pessoas que entram na prostituição acreditando em promessas de dinheiro fácil, viagens, fama ou vida de luxo acabam presas em redes de exploração, adoecem emocionalmente ou simplesmente se perdem de si mesmas. A esperança de “vencer na vida” se transforma em frustração e desamparo.

A necessidade de um olhar mais responsável

Não se trata de moralismo. Trata-se de responsabilidade com a saúde mental e emocional da juventude. Quando letras de música e influenciadores tratam a prostituição como uma simples forma de “job”, omitem todo o peso que esse tipo de escolha carrega. Transformam uma vivência muitas vezes traumática em algo aspiracional, como se fosse sinônimo de liberdade.

Se quisermos uma sociedade mais saudável, precisamos abrir espaço para conversas sinceras sobre trabalho, dignidade, autoestima e saúde mental. E precisamos, urgentemente, parar de pintar com glitter aquilo que machuca, consome e adoece.

Conclusão

“Job” não é apenas uma palavra da moda — é um espelho distorcido que tem refletido falsas promessas para quem mais precisa de apoio e direção. É hora de chamar as coisas pelo nome, de parar de romantizar realidades duras e de proteger quem ainda acredita que pode encontrar no sofrimento o caminho para o sucesso.

Não, vender o próprio corpo não é só “um job”. É um grito silencioso que, muitas vezes, esconde a dor de quem já não enxerga outra saída.

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