POLÍCIAPOLÍTICA

Como você financia o tráfico de drogas — e nem sabe disso

O Brasil vive um aumento exponencial na quantidade de pessoas em condição de rua. O número de famílias nesta condição inscritas no Cadastro Único saltou de 7,3 mil em 2012 para 323 mil em março de 2025 — um aumento de mais de 4.200% em 13 anos — muitas delas em situação de dependência de álcool e drogas.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), a inscrição de moradores de rua no CadÚnico “contribui para que o governo desenvolva políticas públicas voltadas especialmente para atender às suas necessidades”.

A fim de garantir esse objetivo, o governo federal publicou decretos e portarias que flexibilizaram o acesso ao Bolsa Família e ao Auxílio Gás, o que permitiu que moradores de rua fossem cadastrados mesmo sem apresentar comprovante de residência ou documentação completa.

Os dados mostram que a quantidade de famílias em situação de rua beneficiárias do Bolsa Família acompanhou o crescimento significativo dos cadastros. Em dezembro de 2012, havia cerca de 5,1 mil famílias nessa condição recebendo o benefício — em março de 2025, o total passou de 130 mil. Considerando que cada família recebe em média R$ 667,49 mensais, o custo estimado anual apenas com as famílias em situação de rua ultrapassa R$ 1,04 bilhão.

Embora o conceito habitual de família pressuponha um grupo de pessoas, o número de famílias unipessoais contempladas pelo programa cresceu de forma acelerada na última década. Em janeiro de 2013, o país tinha 635 mil famílias formadas por apenas um integrante recebendo o Bolsa Família. Dez anos depois, em janeiro de 2023, esse número chegou a 5,8 milhões.

Naquele ano, foi criado um limite máximo de 16% de famílias unipessoais por município; apesar disso, portarias e decretos posteriores garantiram exceções que permitem manter a inclusão de pessoas em situação de rua mesmo quando esse teto já foi atingido. No entanto, com os dados disponíveis, não é possível delimitar quantas famílias em situação de rua são unipessoais.

Um estudo de caso

Entender este fenômeno e buscar caminhos para solucioná-lo foram os principais objetivos da Comissão Especial sobre Pessoas em Situação de Rua, instaurada na Câmara de Vereadores de Joinville (SC).

O relatório final da comissão, elaborado por seu presidente, o vereador Mateus Batista (União), conclui que, embora a transferência de renda alivie a pobreza imediata, ela não tem conseguido interromper o ciclo de dependência química, vulnerabilidade e ruptura dos vínculos familiares.

O arcabouço normativo que sustenta essa política se consolidou entre 2022 e 2025. Uma portaria do Ministério da Cidadania de 2022 autorizou expressamente o uso de endereço institucional como referência cadastral. No mesmo ano, uma portaria do MDS confirmou a possibilidade de inscrição de pessoas sem residência fixa por meio de autodeclaração.

O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, falou sobre possível reajuste no Bolsa Família | Foto: Divulgação/PT
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias | Foto: PT/Divulgação

O mesmo ministério, em 2023, emitiu uma portaria para estabelecer regras operacionais que priorizem públicos em situação de vulnerabilidade social e dispor que famílias em situação de rua podem ser incluídas com tramitação diferenciada.

Em março de 2025, um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou obrigatória a entrevista domiciliar para as famílias unipessoais, mas essa exigência durou pouco. Uma portaria do MDS publicada no mesmo mês isentou expressamente os públicos mais vulneráveis da entrevista em domicílio e manteve a possibilidade de cadastro com autodeclaração.

“O Bolsa Família, embora essencial para aliviar a extrema pobreza e mitigar a fome, não exige nem proporciona diretamente a resolução desses fatores estruturais”, destaca o relatório. “Não há, no desenho do programa, condicionalidades relacionadas a tratamento de vício ou inserção laboral.”

O financiamento do tráfico de drogas

A entrega dos cartões ocorre no endereço institucional cadastrado pelo morador de rua, como Cras ou Centro POP. Depois de recebê-lo, no entanto, relatos colhidos pela comissão demonstram que parte dos beneficiários em situação de rua, muitas vezes dependentes químicos, transfere o cartão a traficantes.

Batista expõe que, “muitas vezes, o cara deixa o cartão do Bolsa Família com o traficante e só vai buscar as drogas no final do mês”. O relatório destaca que 36% das pessoas em situação de rua abordadas pela comissão são usuárias de drogas ilícitas.

O vereador apresentou o estudo durante uma reunião no MDS, em Brasília. Na ocasião, Batista afirma ter ouvido a justificativa de que “essas portarias foram feitas para que a pessoa em situação de rua tenha condição de financiar seu vício” e que o toxicômano “precisa ter a dignidade da dependência química”.

Na mesma viagem ao Distrito Federal, o vereador entregou seu relatório ao deputado Kim Kataguiri (União-SP) e ao senador Jorge Seif (PL-SC), que articulam audiências públicas para discutir mudanças na legislação.

Enquanto o governo federal sustenta que essas medidas são indispensáveis para proteger a dignidade de quem vive em extrema pobreza, parlamentares e gestores locais afirmam que as normas alimentam um ciclo de dependência e criminalidade. Nas palavras de Batista, trata-se de “um esquema de transferência bilionária direto do governo federal para o tráfico de drogas”.

Fonte: revistaeoeste

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *